[Foto 2 - 2º Painel : Robson Lopes (IHGP), Pedro Lucas Lindoso (IGHA) e Júlio Santos da Silva (IGHA).
[Foto 3 - Robson Lopes recebendo o certificado de apresentação de trabalho de José dos Santos Pereira Braga, Presidente do IGHA.]
IHGP, SABER E MEMÓRIA: UMA NOTA HISTÓRICA
Por Robson Wander Costa Lopes
Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP)
Em nome do Ilustríssimo Sr. José dos Santos Pereira Braga, presidente deste Instituto, faço a minha saudação aos membros desta mesa de debate, os ilustríssimos senhores Pedro Lucas Lindoso e Júlio Santos da Silva, ambos confrades deste IGHA. E, justificando a impossibilidade da presença da Presidente do IHGP, Anaíza Vergolino e Silva, saúdo Vossas Senhorias que prestigiam este painel.
“O apagamento da memória” urge neste ciclo de palestra como conditio sine qua non para não se olvidar da real importância de uma reflexão comprometida com o “esquecimento” que, parafraseando Friedrich Nietzsche em sua "Genealogia da Moral", a memória enquanto violência inculcada pelos vencedores, precipitou num buraco de terra infértil e sem nenhuma genealogia histórica por parte dos vencidos. Ontem, aqui neste mesmo salão nobre, tivemos a honrosa oportunidade de refletir sobre os abusos da “desmemória”, a partir de um personagem tão real quanto as investidas dos seus algozes que o enterraram na cova do esquecimento. Não será meu intento, todavia, reformular as premissas daquela arrebatadora reflexão do conferencista Dr. Robério dos Santos Pereira Braga, tão menos será o de propor quaisquer hermenêuticas acerca da sua brilhante pesquisa. Não. Mas, devo confessar a vossas ilustres senhorias que aquelas “preliminares”, como humildemente denominou o palestrante, causaram-me um impacto reflexivo sobre o que, afinal das contas, estamos nós fazendo com nossas memórias, ou, mais grave ainda, com nosso esquecimento (?). Contudo, aqui vou ficando com este preâmbulo que me serve de elo entre o tema central deste evento e o que me proponho, portanto, neste painel.
Esta ligeira apresentação faz uma revisão das fases que o IHGP passou desde sua fundação, em 1900 até hoje, com atenção especial para a última fase, iniciada em 2011. Não tenho dúvida que muito da história do IHGP tenha caído no esquecimento. Embora na condição de Primeiro Secretário da instituição, eu não saberia mensurar o grau de produção e difusão de conhecimento e de saber que o Silogeu já fez nesses seus 119 anos existência.
Entretanto, sustento a hipótese que se aquilo que tentaram esquecer for trazido à lembrança, poderemos atestar que o IHGP é uma verdadeira arena de Clio, a musa da história, filha de Zeus e Mnemósine, a deusa da memória. Sim, uma Arena de Clio pois seus sócios muito vezes disputaram contendas intelectuais sobre os mais variados assuntos, e uma boa parte dessas disputas intelectuais está registrada em diversas fontes, como por exemplo a Revista do IHGP. Acredito eu que essa arena tenha não só difundido conhecimentos nas áreas da história, da geografia, da antropologia e das ciências afins, mas, de fato, tenha produzido verdadeiras ideias, e profícuos saberes, no percurso de parte da história da Amazônia.
Um exemplo do que estou a afirmar é a ideias de “adesão do Pará à independência do Brasil”. A pintura da cena da adesão do Pará, datada aos 15 de agosto de 1823, tendo como pano de fundo a Revolução do Porto, o Constitucionalismo português, as ideias liberais vintistas e a proclamação da independência do Brasil, ganhou diversos matizes conceituais ao longo da história nesses quase 200 anos de história. E o tom dessas matizes foi obra, em larga escala, dos intelectuais ihgpeanos como Domingos Antonio Raiol, em "Motins Políticos ou História dos Principais Acontecimentos Políticos da Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835" (1975); como João de Palma Muniz, em sua tese sobre a "Adesão do Grão-Pará à independência" publicadas na RIHGP (1922-1923); como Augusto Meira Dantas em seus artigos publicados na Folha do Norte na década de 1920 e Jorge Hurley na elaboração da primeira cartilha didática sobre a história do Pará (década de 1920); como Geraldo Martires Coelho em sua tese doutoral "O Vintismo no Grão-Pará: relações entre Imprensa e Poder (1820 - 1823)" - (1987); e mais recentemente como Aldrin Moura de Figueiredo, em sua tese "Eternos modernos: uma história social da arte e da literatura na Amazônia" (2001). Do nacionalismo ao nativismo, do império à república, da ressignificação pátria à luta de classes sociais, a ideia de “adesão do Pará” ganhou diferentes semânticas na arena de Clio, o IHGP.
Fundado aos 3 de maio de 1900, sob a denominação de Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Pará, e reinstalado, aos 6 de março de 1917, sem o vocábulo “Etnográfico”, o IHGP, no escopo de fidelidade à sua missão de “promover o estudo, estimular o desenvolvimento e fazer a difusão dos conhecimentos da História e da Geografia, em todos os seus ramos, em todas as suas aplicações à vida social, política e econômica, em especial no que se refere ao Brasil e, particularmente, à Amazônia”, e buscando realizar o seu objetivo estatutário de “reunir, concatenar, comentar, arquivar e/ou publicar documentos atinentes” à própria missão, reorganizou sua estrutura e funcionamento de forma significativa, sempre marcada por mudanças importantes, desde a forma de ingresso de novos sócios até as reformas de seu prédio sede, o Solar Barão de Guajará. (Cf. Programação IHGP 2019).
O nosso Silogeu fez e faz história ocupando lugar de destaque na produção do saber e na salvaguarda da memória regional e tenta, não sem dificuldades e desafios, manter a chama acesa da memória, especialmente quando em sua quinta fase compreender a necessidade de “soerguimento” não como substantivo, mas como verbo a indicar uma ação coletiva entre seus confrades e confreiras. Para esta apresentação, tomei por base os recortes dos vários períodos definidos por mudanças importantes na história da instituição, analisandos através de atas, boletins e programações. À título de elucidação, as balizes temporais das fases do IHGP são as seguintes: a primeira fase compreende o período de 1900-1917; a segunda fase de 1917-1963; a terceira fase de 1963-1975; a quarta-fase 1975-2011 e a quinta fase de 2011 até o presente. A quinta fase compreende 3 gestões: “IHGP-Um Novo Tempo” (2011-2014); “IHGP-Tempo Presente” (2014-2017) e “Saber e Memória” (2017-2020).
(Cf. <http://ihgp.net.br/principal/index.php/institucional/historico > ).
[Sessão de apresentação em Pawer Point...].
É comum, entre os membros do IHGP, o reconhecimento que nesta quinta fase ocorre um “soerguimento”: um esforço para manter acesa a chama da memória. Nesse, sentido, importa destacar, que no interstício de gestões administrativas, a partir de 2011, "[...] o nosso real conhecimento sobre o IHGP ocorreu na prática e a partir do enfrentamento de seus problemas concretos." (VERGOLINO, 2015, p.2).
E, nesse labor de “soerguer” o Silogeu, realiza-se aquilo que seus objetivos originários nos rogam: “promover o estudo, estimular o desenvolvimento e fazer a difusão do conhecimento da História, Geografia, Antropologia e áreas afins (Cf. Estatutos do IHGP, Art. 1º) e por conseguinte, tal empenho tem nos conduzido para a preservação da memória, mormente no que se refere ao período da virada histórica do segundo império à primeira república, ademais na construção cada vez mais sólidas de pontes entre IHGP e instituições portuguesas, entre Portugal e a Amazônia. O que afirmo pode ser vislumbrado pelos eventos promovidos pelas administrações desta última fase, basta fazer uma visita na nossa página <www.ihgp.net.br> .
Muito obrigado!
Carta de Manaus
(Alguns dos representantes dos IHGs Norte e Nordeste presentes no Ciclo de Palestras)
"O Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas – IGHA realizou, nos dias 28, 29 e 30 de novembro, sob os auspícios da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM, o Ciclo de Palestras sob o tema “O apagamento da Memória”. O evento foi aberto pelo professor doutor José dos Santos Pereira Braga, presidente do IGHA, tendo como conferencistas: o historiador Robério dos Santos Pereira Braga, ex-presidente do IGHA e presidente da Academia Amazonense de Letras; a historiadora Antônia Terezinha dos Santos Amorim, presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós – IHGTap; o historiador Sílvio Tavares de Amorim, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Pernambuco – IHGP; o professor e filósofo Robson Wander Costa Lopes, membro e representante do Instituto Histórico e Geográfico do Pará – IHGPa; os historiadores Júlio Santos da Silva e Aguinaldo Nascimento Figueiredo, membros do IGHA; os historiadores Geraldo Xavier dos Anjos e Antônio José Souto Loureiro, membros e ex-presidentes do IGHA; o jurista Paulo Fernando de Brito Feitosa, membro do IGHA; a professora doutora Marilene Corrêa da Silva Freitas, oradora oficial do IGHA, socióloga e pesquisadora da Universidade Federal do Amazonas – UFAM; a senhora Maza Said Lopes, assessora do Arquivo Público do Estado do Amazonas; a senhora Maria Clara Gama Bentes, gerente do Departamento Técnico da Secretaria Estadual de Cultura e Economia Criativa – SEC-Am; o historiador Raimundo Pereira Pontes Filho, pesquisador e professor da UFAM; o historiador Dysson Teles Alves, diretor geral do Museu Amazônico/UFAM; e o médico e pesquisador Euler Esteves Ribeiro, membro do IGHA e reitor da Fundação Universidade Aberta da Terceira Idade – FUnATI. Atuaram como coordenadores de debates: o professor doutor Marcílio de Freitas, o escritor e jurista Pedro Lucas Lindoso, o poeta e ensaísta Elson José Bentes Farias, o geólogo Hailton Luiz Siqueira da Igreja, a professora doutora Rosa Mendonça de Brito e os historiadores Júlio Antônio Lopes, Abrahim Sena Baze e Francisco Gomes da Silva – membros do IGHA e o último atual vice-presidente da instituição. O simpósio teve a participação especial de Giovanny Conte, violinista da Filarmônica Amazonas, e foi prestigiado por várias autoridades, grupos de intelectuais, professores, estudantes e outros segmentos da sociedade civil.
Ao final dos trabalhos, lavrou-se esta Carta de Manaus, assinada pelos enunciados e lida pela professora Edinea Mascarenhas Dias, membro, ex-presidente e atualmente secretária geral do IGHA. Tal documento, fiel aos ideais preconizados pelo Programa Memória do Mundo (MoW), criado em 1992 pela UNESCO com o objetivo de preservar e dar acesso público à memória coletiva e documentada de todos os povos da humanidade, tem um propósito colaborativo focado na formação de uma consciência da necessidade de preservação do patrimônio documental do nosso País e especialmente da Amazônia.
Laboraram bem os palestrantes e debatedores que compareceram a esta Casa da Memória Amazonense. Ao tratarem sobre memória e identidade em nosso País foram lúcidos e corajosos. Suas lições/intervenções – permeadas de conteúdo doutrinário, além de informações e exemplos práticos, produtos de uma sólida formação cientifico-cultural e da sua experiência profissional de muitos anos – alentaram as plenárias deste conclave resultando num exemplo perfeito de interação. Sem dúvida, as teses advindas deste simpósio alertam para as graves consequências do apagamento da memória nacional e, em paralelo, pugnam pela necessidade de se realizar um inventário dos lugares onde ela se encontra presente, seja pelo desejo de homens e mulheres ou através do passar dos tempos. Demais disso, tratam de incentivar múltiplos projetos e atividades pró-memória não só a partir de uma perspectiva nacional, mas também regional e local.
A redenção da memória constitui um projeto essencial. Esta é uma missão de todos nós. Não só porque ela tem o poder de reconsiderar e de reescrever a história oficial, mas também porque possui a capacidade de confirmar identidades previamente marginalizadas. Diversamente, o apagamento da memória é um atentado contra a preservação, é uma forma de desconstruir o imaginário nacional e regional. Isso ficou claro, durante os três dias de debate, em que ecoou forte o brado contra o esquecimento. Prevaleceu o desejo de preservar, arquivar e resgatar recordações. À unanimidade, os participantes do conclave demonstraram enfaticamente que as memórias são capazes de sobreviver. Como explica Thomas Butler (1989), “[…] a memória não é apenas o que nós pessoalmente experimentamos, aperfeiçoamos e retemos, mas também o que herdamos de gerações anteriores e passamos para a próxima”.
Combater o apagamento da memória, obviamente, pressupõe defender e tornar vivos e atuantes os chamados “lugares de memória” que vão do objeto material e concreto ao mais abstrato, simbólico e funcional. Segundo o historiador francês Pierre Nora (1989), “[…] Podem tratar-se de um monumento, de uma personagem, de uma estátua ou pintura, de um museu, de arquivos, bem como de um símbolo, de um evento ou de uma instituição. […] Devem possuir uma ‘vontade de memória’, devem ter na sua origem uma intenção memorialística que garante sua identidade. Sem essa vontade, os lugares de memória são lugares de história […]. Memória é a vida, sempre alcançada pelos grupos viventes […] ela está em evolução permanente […] inconsciente das suas deformações sucessivas […] e a história é a reconstrução sempre problemática e incompleta daquilo que não é mais […]. A memória é um absoluto e a história não conhece outra coisa que não o relativo”.
Combater o apagamento da memória significa superar nossos lamentos sobre o pretérito e juntar esforços para manter acesa a chama da produção e a difusão do conhecimento, realizando, pois, aquilo que nos é essencial: o fazer história e perpetuar a memória.
Apesar das dificuldades financeiras enfrentadas pelas instituições de pesquisa da região amazônica, nossos institutos históricos, arquivos e museus têm sobrevivido, atraindo estudiosos e pesquisadores de várias partes do Brasil e do mundo. Como “lugar de memória” e depositário de relevantes acervos bibliográfico, arqueológico, etnográfico e de jornais datados desde metade do século XIX – considerados preciosidades da instituição ao longo de seus 102 anos de existência – o IGHA tem contribuído para a escrita de muitas histórias tornando inquestionável seu papel na defesa da memória nacional e regional.
Ao encerramento deste Ciclo de Palestras, os que subscrevem a presente Carta de Manaus comprometem-se a: 1) lutar para manter viva a memória local e regional mediante a realização de encontros, seminários, palestras, exposições e outros eventos capazes de cumprir com esse ideário; 2) estreitar contatos e trocar experiências com institutos, arquivos e museus da região amazônica; e 3) manter-se em interação permanente com instituições congêneres regionais e nacionais.
Manaus (Am) – Salão Dom Pedro II do IGHA -, 30 de novembro de 2019